Medeia: Culpa de quem?

por Isadora Aragão

Quando Medeia lançou mão de todos os seus recursos para que Jasão voltasse vitorioso à Grécia, tinha como motivação a perspectiva de casar-se com o homem que amava. Por isso foi que se doou por completo, fazendo uso de toda sua sapiência em favor das lutas de um estrangeiro.  De modo que, se não fosse de sua vontade desposar Jasão, jamais teria sido capaz de cometer danos à seus próprios familiares e pátria.
Assim, não erramos quando dizemos que em tudo que esta mulher fez não houve um só ato desinteressado, mas que, pelo contrário, todos eles visaram uma mesma coisa: um juramento feito perante os Deuses que lhe desse direito ao mesmo tempo a um leito e a uma pátria. E foi exatamente o ela que conquistou.
No entanto, tal juramento, mesmo tendo sido lançado aos ouvidos dos Deuses, saíra de boca humana e, por isso, continha algo de contraditório, falho e imperfeito. Então, quando a lógica desafiou Jasão, ele não titubeou em fazer uso da razão para conseguir o que queria, mesmo que isso lhe custasse a ruptura de um juramento sagrado e a separação da família já erigida. E foi assim que ele, para casar-se com a filha do Rei Creonte, deixou Medeia não só sem esposo, mas também sem pátria.
Então, podemos nos perguntar: é possível ter pena de Medeia?
Num primeiro momento, podemos responder que sim e nos deixar levar pelos lamentos colocados na boca da personagem por Eurípedes.  Afinal, como não ter pena de uma mulher que se doou completamente em nome do sucesso de um homem que a retribui com o abandono e desterro?
No entanto, nos contentando com tal leitura deixamos de lado o fato de que a própria Medeia não desejaria ser objeto de pena. Pois, caso aceitasse essa condição teria se resignado diante do casamento de Jasão, viveria com o apoio moral dos habitantes de Corinto e acabaria por felicitar a abastança real de que poderiam beneficiar-se também seus filhos.
Entretanto, a ela não interessava nenhuma fortuna que proviesse de seu sofrimento, tampouco aceitaria ser humilhada perante todos, convivendo pacificamente com o triunfo de seus inimigos. Assim,  vingou-se para mostrar que era capaz de causar o mesmo sofrimento que haviam lhe causado e nesse sentido, não lhe bastou que Jasão fosse considerado culpado por todos. Pelo contrário, foi preciso fazer com que ele passasse pela mesma sensação de perda que ela passara e foi por isso que lhe tirou a futura esposa, para que também ele padecesse sobre um leito vazio.
A vingança é ainda mais cruel nessa versão da história, já que de acordo com ela Medeia matou  também os próprios filhos, afirmando não querer deixa-los a mercê de estranhos que vingariam neles o assassinato do Rei e sua filha.  No entanto, não podemos deixar passar que se para ela o culpado por todas as atrocidades que se vira  obrigada a cometer até então era Jasão, não se sentiria culpada pela morte dos próprios filhos. Afinal, Jasão iniciara toda a catástrofe, rompendo o juramento que fizera. Dar cabo de sua prole significava somente levar às últimas consequências aquilo que já estava começado, desligar-se de vez do passado para poder seguir em busca de uma novo leito e de uma nova Pátria, já prometidos por Egeu.
Portanto, se não nos cabe considerar Medeia uma coitada, não nos cabe também julga-la como um monstro por matar os próprios filhos. Ela ocupa simplesmente esse lugar da mulher capaz de privilegiar seus interesses, aproximando-se do homem representado em Jasão que abandona o leito da esposa para realizar anseios pessoais, ao invés de manter o juramento aos Deuses.
 Na verdade, o que nos confunde é que ambos são movidos quase que por uma mesma força, ambos são capazes de abandonar antigos juramentos e seguir adiante em nome do que desejam e levar as decisões às últimas consequências. E então, de quem é a culpa? Dos desejos humanos! Mas, que foi feito da vontade dos Deuses?

Deixe um comentário