Mas por que tantos Núcleos de Trabalho?

por Filipe Rossi

É indissociável a trajetória existencial de um artista de sua obra. Embora aspectos extremamente cotidianos devam ser rechaçados das análises de sua produção. E assim, tomaremos essa indagação e esta máxima anterior para pensar cada núcleo de trabalho da companhia.

A companhia surge num momento de efervescência da formação teatral de Filipe Rossi e Isadora Aragão, se junta aos dois, Julia Nogueira. E assim iniciam um projeto de pesquisa dramatúrgica e cênica no tocante ao “teatro infantil”. Este projeto intitulado Buraco é o gerador do que viria se tornar Farrapo Cênico.

Algumas “metodologias” vão se assentando como, por exemplo, o trabalho laboratorial sobre o ator. E outras como: Pesquisa dramatúrgica, novos modos de encenação e interpretação. Porém, o projeto ainda não se deu por completo. Podemos dizer que Buraco ainda vive em processo, mas não adquiriu materialidade. E é neste contexto da falta de materialidade dos projetos que começam a surgir o que nomeamos como Núcleo.

A dificuldade financeira, organizacional e de estrutura física torna-se o grande problema para a transformação da ideia artística em obra de arte. E para suprir esta dificuldade estrutural inicial começamos por fragmentar os anseios artísticos e reorganizá-los em núcleos de atividades. Surge então esta divisão:

  • Núcleo Laboratório
  • Núcleo de Repertório
  • Núcleo Ópera
  • Núcleo Educacional
  • Farrapo Filmes

Núcleo Laboratório

Para nós a arte de ator sempre foi de enorme interesse. Os meandros técnicos onde o ator pode encontrar-se desbloqueado, respondendo a estímulos diversos, como se guardasse em si uma fera, e ao mesmo tempo quando ofertasse seu corpo no ato teatral esta mesma fera tornasse invisível, sempre fustigou a nossa curiosidade como atores em formação. A influência direta de Grotowski e Eugênio Barba, assim como de Artaud, aparece como propulsora da criação deste Núcleo de trabalho, dando ao grupo um caráter laboratorial, espaço para o desenvolvimento técnico do ator.

Este núcleo é tomado como a sala secreta do Humano!

Núcleo de Repertório

Os fundadores do grupo não provêm de famílias abastadas. Assim a busca pela sobrevivência torna-se pauta do dia. O Brasil não é um país afeito à arte como buscamos no grupo compreender. Nosso povo está habituado com o entretenimento, e toma este como sendo arte. Assim, o mercado, onde habita o capital, está também afeito aos modelos de entretenimento.

Sabemos que dedicar-se a arte é dedicar sua existência completa, e ainda assim correr o risco do esquecimento em menos de duas gerações. E que é esquizofrênico cindir-se socialmente, utilizando diversas máscaras sociais. Mas ao mesmo tempo consideramos estas sentenças relativas para cada indivíduo. Por tanto, este núcleo é o mais destoante da filosofia do grupo, ao mesmo tempo em que se torna indispensável.

É neste núcleo de trabalho que encaramos determinadas obras como objetos de entretenimento para troca no mercado, podendo assim sobreviver como artistas. É deste núcleo que sairão peças teatrais que pretendem serem atrativos culturais, cartão de visita e porta de entrada para o mundo complexo da arte teatral. Estas peças farão parte de um repertório que poderá caminhar por cidades diferentes, como um mambembe, levando um pouco da produção artística, posta em padrões de entretenimento, para diversas pessoas.

Núcleo Ópera

Talvez seja o núcleo de maior complexidade estrutural. Isso porque podemos toma-lo como síntese dos dois núcleos anteriores, porém a diferença é que tem como finalidade a construção de obras de arte sem o intuito exclusivo do lucro, e sim do próprio artifício da construção, podendo abrir caminhos para o novo no teatro.

O termo Ópera é tratado por sua etimologia: Obra. Assim damos um tom grandiloquente a este núcleo, já demonstrando a sua reunião de atividades artísticas para a construção de um todo que chamamos encenação.

Segue todos os sujeitos deste núcleo:

  • Ator
  • Diretor e Encenador
  • Dramaturgo
  • Figurinista e Costumista
  • Iluminador
  • Compositor-Arranjador e Sonoplasta
  • Produtor

A Obra então aparece como resultado do encontro de todas estas potencialidades criadoras, que de alguma forma contribua para o novo no teatro.

Núcleo Educacional

É aqui que trabalharemos para que um público novo e diversificado comece habitar cada vez mais salas de espetáculo, adquirindo linguagem sobre esta arte, ampliando suas experiências pessoais estéticas e existenciais. Porém, não acreditamos que seja na contemplação e na reflexão que esta linguagem é adquirida. Mas conjuntamente no fazer!

Este núcleo nasce do anseio de Filipe Rossi (ator e pedagogo) e Isadora Aragão (atriz e historiadora), em promover a ampliação do conhecimento da linguagem teatral como arte para todas as idades.

Há o pré-conceito de que teatro é mais uma forma de entretenimento, assim como o cinema a televisão e agora a internet. Porém, acreditamos que a experiência teatral pode e deve ser mais complexa, adentrando os meandros da arte.

O teatro comparado aos outros ambientes de entretenimento é defasado em estrutura e até mesmo em seus objetivos. Mas quando o teatro é encarado como arte, torna-se muito mais precioso do que os demais ambientes. Pois nele a experiência humana é dada de forma direta, sem velamento.

Porém, não temos em nosso país a educação em arte necessária para experienciar novas possibilidades estéticas. Assim, o Núcleo Educacional surge como este ambiente promotor da educação em arte teatral.

Pensamos a educação em arte teatral em três eixos:

  • Fazer
  • Fruir
  • Refletir

Acreditamos que todos nós somos capazes de produzir arte, mas não necessariamente devemos ser artistas. E o ato de produzir, fruir e refletir em permanente processo dá-nos a oportunidade de experimentar novos modos de perceber nossa existência. E é talvez este o grande objetivo da Arte.

Oferecendo esta possibilidade de interação, que somente o teatro pode ofertar, do encontro de si com o outro, e na atitude de produzir, receber e pensar podemos ampliar a experiência estética de crianças e adultos, e assim o prazer pelo teatro amplia-se, e um novo público poderá usufruir cada vez mais as inúmeras experiências produzidas por esta arte tão antiga quanto o Homem.

Farrapo Filmes

É inegável a importância da tecnologia nos dias atuais. A imagem tornou-se o grande modelo de informação e interação através destas tecnologias. E é neste contexto que pensamos este núcleo, que na verdade fornecerá recursos para a criação de informação e propagação das atividades dos demais núcleos.

Novamente aparece um elemento estruturador que tem por finalidade atingir o mercado, e consequentemente angariar fundos para concretização de todo este ideal teatral ao qual a companhia foi fragmentada. O Farrapo Filmes será um núcleo estruturador da imagem e mensagem da companhia ao público externo, trabalhando na publicidade deste grupo e ao mesmo tempo contribuindo para a reflexão das ações e arquivo institucional.

Suas atividades serão:

  • Captação e produção de imagens (filme e/ou fotografia) para construção de material de marketing e propaganda;
  • Captação de imagens para produção de material intelectual: livro, revista, portfólio das Obras teatrais;
  • Captação de imagens para reflexão sobre o fazer artístico (uso interno ou para fins acadêmico-educacionais com autorização);
  • Arquivamento;

É possível responder a pergunta?

Após todas estas considerações, ainda paira a questão inicial, mas podemos até reformulá-la: É necessário ao fazer teatral esta fragmentação e desenvolvimento demasiadamente teórico? Não é melhor pegar e fazer simplesmente?

Ocorre que nosso país vive um momento delicado. Crescemos economicamente, nos tornamos potências no mercado internacional, somos um povo capitalista e extremamente mercadológico, e não consideramos estas sentenças ruins. Porém, todo este desenvolvimento econômico não foi refletido e investido na estrutura do país. A Educação e a Cultura são devastadas cotidianamente, e nós que nos propomos viver nestas duas áreas sofremos as piores agruras sociais.

Quando fundamos a companhia, com o desejo de fazer teatro percebemos logo que cara que nossa condição não era favorável. Desistir? Sim, passou pela cabeça. Mas a Arte é um vírus que corrói. Então, a única saída foi organizar estruturar, do modo que conseguíssemos fazer. O trabalho está fluindo. Lento… Mas está!

Mesmo com tudo isso, a dúvida ainda paira, não?

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