Uma mulher se parte no parto. Despede-se com dificuldade da parte de si que se transmuta num ser novo. Rompem-se os laços, corta-se o fio e nascem mãe e filho. Nunca mais ela será a mesma. Cindiu-se e algo sempre lhe faltará. Quanto ao filho, apartado da mãe, tampouco encontrará abrigo, seguirá por caminhos tortos numa busca incessante pela completude inicial que se perdeu. Perdido ele permanece, num tatear febril e insistente até o corpo pesar e é com pesar que ele decide parar. Seus pés, servos mais dedicados em vida, rebelam-se e exigem descanso. O homem teima, mas por mais que o faça não resiste à tentação. É preciso entregar-se, usar o receptáculo que, desde o dia do nascimento, cavou para si mesmo no ventre do mundo.
Arquivo da categoria: Estudando Édipo Rei
Τειρεσίας
por Filipe Rossi
Ιοκάστη
por Filipe Rossi
Οιδίπους
por Filipe Rossi
De joelhos prostrados, rasgando a carne na escada do castelo. Um rei cego, ainda não, mas futuramente… Ramos de oliveiras. Oliveira, sempre as folhas da árvore desditosa: sinônimo de grandeza e queda em pouco tempo.
Assim começa Édipo, Rei.
Aristóteles captou muito bem a estrutura da tragédia de Sófocles e deu ao mundo um modelo a ser seguido, e ser analisado.
Haveria civilização ocidental sem Édipo? Acho difícil! Parece banal o enredo, o próprio mito, para um bípede sem penas do século XXI da era cristã. Apenas mais uma história! Mas caso lancemos olhares à obra que nos chegou – a tragédia de Sófocles – notaremos ali as bases daquilo que Freud chamou de inconsciente.
Este assunto é um tanto batido para muitos, mas o que proponho aqui é outra análise. São as palavras do próprio Sófocles e suas escolhas que me chamam atenção. É a luta do pobre Édipo contra Apolo e Dioniso. Ele é apenas um joguete nas mãos deste dois deuses. Eles brincam de dados lançando a sorte de Édipo.
A razão leva a psique de Édipo para um lugar, mas logo novo lance dos deuses fazem com que o homem decline à angustia mais dolorosa, e pesquise em si mesmo o passado que fora rasgado, e no tempo presente seja re-colado à trama de seu destino.
Édipo não é um Homem íntegro. Ele já o é fragmentado. Ele é o Rei, ele é o Herói, ele é o assassino, ele é esposo, pai, irmão, ele é o condenado, ele é o que escolheu seu destino, ele é UM HOMEM!
Quando está na mão de Apolo e é lançado como dados, busca encontrar os porquês, busca agir nobremente. Quando encontra-se nas mãos daquele “feito nas cochas” sente-se embriagado, feroz, incoerente e abusa de seus dons. Ora os dons de Édipo são fabricações de algum daemonion! Essa voz de embriaguez que fica em seu ouvido ditando maledicências.
Por tanto, Édipo de Freud é apenas uma faceta de Édipo de Sófocles. Ele é muito mais fragmentado e universal quanto Freud imaginava.
Édipo da tragédia grega é o homem ordinário, este que vemos todos os dias. E os segredos de Édipo são os mesmos segredos vergonhosos que carregamos em nossa psique (segundo Santo Agostinho), e fugimos deles, fugimos… Mas a barafunda da vida nos empurra para o lodo. Sempre! Pecamos contra nós primeiramente, pois, segundo Schopenhauer, o verdadeiro pecado vem dos Deuses!