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Pensamentos sobre ALI! e uma possível encenação

por Filipe Rossi

A escritura de uma dramaturgia e encenação contemporânea nos lança em questões como:

  • Espaço – Lugar
  • Corpo – Não-Corpo
  • Tempo – Suspensão

Localizamos estes aspectos elencados e necessitamos observar os efeitos causados no texto.

Em ALI! temos a noção de Espaço desde o título, recortando o imaginário o que vem se chamar Lugar (espaço significado), porém a imprecisão descritiva deste “lugar” o recondiciona ao estado de “espaço” novamente. Este trânsito entre “Espaço – Lugar” é constante na obra como um todo.

O Espaço Cênico (pensando a encenação) torna-se amplo, pois utilizamos a escuridão como esse efeito de infinito, porém, brota deste Espaço um Lugar, quando vemos numa única lâmpada clarificando um praticável coberto por um tecido vermelho. Sabemos que agora temos um Lugar quando dessa emissão de signo reconhecível, contanto, não conseguimos afirmar com precisão do que objetivamente se trata. Quando da inserção do texto dito pelos atores ao ambiente algumas palavras lançam os olhares (do imaginário) para diversos locais numa construção subjetiva por parte daqueles que olham-ouvem, e novamente este Lugar se perde e se encontra na noção de Espaço, porém o Espaço está significado nos levando ao status de Lugar. E este trânsito infinito chega a percepção do espectador na noção de Deslocamentos sucessivos.

Ou seja, a encenação com um cenário irrisório trabalha com sobreposições de Espaço e Lugar; e a dramaturgia opera deslocamentos sucessivos.

Os corpos dos atores trabalham numa tentativa de pequenas ações que encerram em si elementos ritualísticos: olhar de ascensão; olhar e contrição; ajoelhar; prostrar-se; urgir; entregar-se…

Assim, obtemos um jogo Apoteótico e Sacrílego. Apoteótico quando da composição estruturada numa espécie de dança ritualística, e Sacrílega por operar na traição daquilo que é dito.

A dramaturgia aparece como anticorpos, são entidades evocadas na tentativa de materialização desta figuras, que na encenação encontra corpos que não obedecem as formas das entidades. Cabe então à ação vocal tentar tocar os corpos que dançam. É a voz que aparece como veículo condutor no trânsito Corpo – Não-Corpo.

O tempo dramatúrgico trabalha não cronologicamente, mas sim unido aos deslocamentos e sobreposições, retardando um evento e operando apenas em sua eminência. É um instante suspenso que possui em si uma outra lógica temporal, com repetições e avanços, onde passado e futuro presentificam-se, fundindo aos deslocamentos e suspensões.

Já a encenação guarda na dança ritualística das ações um tempo que demonstra-se cronológico, porém quando adensamos o olhar percebemos outro jogo temporal: a encenação pode ser lida de trás para frente como em sua lógica normal. Temos a impressão de ciclos de repetição, mas que cada novo ciclo responde à outro prisma (próximo das teorias das outras dimensões, onde a curvatura do tempo-espaço realiza distorções no instante presente).

O Espetáculo não dura mais de 9 minutos (até o presente momento) porém a experiência estética relativiza a duração, e temos a impressão de que o tempo é suspenso. Não afirmamos ser pouco tempo nem muito. Apenas vivenciamos uma outra estrutura temporal.

Estas análises não dão conta do todo que pode representar o espetáculo e/ou a dramaturgia. São apenas tentativas de melhor se relacionar com este experimento que demonstra-se novo à tudo que vivenciamos em teatro até agora. Mas ainda sentimos uma carência vital enquanto atores, e mesmo como diretor.

É necessário soprar, encher de alma, este barro amaçado e moldado. Dar a ele o spiritus que ele merece.

Qual é este Spiritus?

Não é fácil responder esta questão. É necessário a ousadia do divino. Um Pai-Criador. Não trata-se de uma escolha, trata-se de roubar de outrem a chama divina, um Spiritus Sanctis.

Isto pode soar como metáforas ou excesso de misticismo. Mas trata-se de algo pontual.

Para os primeiros cristãos o espírito santo era a chama que atravessava os corpos daqueles que se reuniam num objetivo comum: Rememorar, re-vivenciar a vida-morte-vida do Cristo. Quando do contato desta chama em todos os participantes vozes tomavam o ambiente faziam vibrar os corpos e as emoções. Palavras que pelo poder sonoro construíam sinfonias pessoais e transcendentais.

Quando dizemos que devemos encher o espetáculo de vida estamos buscando essa chama transcendental. Ora, a chama é o ar da respiração alterado em estado de surpresa, este surpreender-se é reviver imagens potentes de forma espontânea elaborada e aprisionada numa estrutura que o ator consegue acessar sempre e extrair o necessário sempre.

Em suma, o ator deverá trabalhar com imagens que emanam de si. São infinitas vozes que compõe esse Eu transcendente. São imagens-portais para outras configurações da vida.

As imagens-portais são aquelas que fazem surgir imagens outras aparentemente desconexas. Como nos sonhos: chega-se a um limiar narrativo que é alterado de supetão para outra paisagem e ação.

O ator deve estabelecer um exercício mnemônico que o leve a uma imagem-raiz. Quão maior o número de imagens conseguidas, maior é a potência da imagem-portal.

As imagens-portais são basicamente as imagens míticas, híbridas, contendo elementos naturais, formas geométricas simples e cores primitivas. Sons e melodias também podem serem reconhecidas como imagens-portais.

Porém, é necessário ressaltar que este escrito são iluminações, intuições que necessitam de organização para que possamos iniciar um processo de busca. Pode ter o tom de conclusão, mas não consegue encerrar em si todas essas frases.

Farrapo Mítico: outros desdobramentos

por Filipe Rossi

Mito Fundador:

São nos mitos fundadores que moram o alicerce da linguagem, ou seja, da capacidade humana de significar o mundo. Talvez sem o Homem o mundo não pudesse ser mundo. Sim! quem o significaria? Quem nomearia o que nele há?

Os mitos são precisamente as narrativas que dão conta de inaugurar na arquitetura de nossa linguagem como humanos civilizados a base de todo um conhecimento histórico, biológico, psíquico e precisamente misterioso. Caso nossos antepassados não desbravassem a capacidade das palavras gerarem estados mentais que significam atos, eventos e modelos, não poderíamos nos reconhecer como Humanos do século XXI. Talvez até o tão proclamado EU, não existiria, não edificaria suas vontades, seus desejos aterradores. É lógico que linguagem não se resume a uma cadeia de palavras. Linguagem é antes de tudo um jogo. E todo jogo possui suas regras, e lances orquestrados de modos fantásticos.

É basicamente neste contexto que o mito fundador é especial: Ele é um jogo narrativo, riquíssimo em imagens e possibilidades sonoras que nos envolve numa corda rica em curvas emocionais. Somos presas fáceis deste agrupamento de palavras tão poderosas.

Quer fazer um teste? Leia o Gêneses da bíblia judaico-cristã! Será engolido ferozmente por palavras criadoras do mundo! E não é necessário crer. Obrigatoriamente o jogo posto fará você criar aquele mundo para si.

O mito fundador é esse monstro que devora-nos, e ao mesmo tempo nos transforma, nos programa, e assim reconhecemos nosso estado de marionetes na mão do Mysterium. Aquilo que está para além do jogo-de-espelho da linguagem.

Elementos narrativos:

Para tudo que existe há necessariamente dois elementos originais fundidos: TEMPO-ESPAÇO!

E a partir daí a maravilha acontece!

Tudo é possível a partir de então. Podemos narrar onde, quando, quem, como! – A Circunstância tão querida por Stanislavski. E o velho russo tinha razão. O milagre narrativo acontece. Tudo pode brotar. As palavras corporificam-se tornando-se entes mentais. O milagre da linguagem!

A engenhosidade dos poetas levaram-nos ao labor da metrificação do que era narrado. Ou seja, compartimentar a narrativa, sem que esta perdesse sua capacidade de unidade. Novamente Stanislavski compreende muito bem e introduz dois novos conceitos: Acontecimento e Tempo-Ritmo. O primeiro criará pontos-vetores na narrativa, o segundo alterará o grau de intensidade destes pontos, dando origem a curva dramática.

Infelizmente os desenhos propostos na curva dramática não se alteram há muito tempo: peças teatrais, filmes, novelas, séries de tv, todas utilizam o mesmo modelo narrativo. Um modelo eficiente para o entretenimento, mas que pouca utilidade possui para o labor artístico. Assim os mitos enfraqueceram-se e perderam sua capacidade de palavra-corpo!

Mesmo Brecht, contrariando esta curva e instaurando a narrativa de fragmentos e exposição, a linha narrativa foi compartimentada por Acontecimentos que evocavam a palavra como apenas desencadeadora de um processo reflexivo determinado por aspectos sociais. Novamente a palavra-corporificada, a palavra-evocação sumiu da narrativa não alterando estados mentais, e permitindo o humanos reprogramar-se.

Artaud é o moderno que nos atenta a esta perda narrativa. E mostra que toda a metafísica em anos de filosofia e teologia danificaram as palavras elevando-as ao estado de entidades acima do Homem, não-físicas, meta-físicas, sendo que a palavra é tão física quanto nossos corpos. Possui propriedade físicas calculáveis: altura, intensidade, timbre, duração, ou seja, som capaz de produzir e reverberar em nossas mentes produzindo estados mentais outros, que não somente a capacidade cognitiva.

Os textos artaudianos foram tomados como grandes utopias de um louco preso em suas sessões de eletrochoque. Mas quando Grotowski permite-se encarar o mito novamente como força de um Mysterium e transforma a narrativa no jogo de apoteose e derrisão, o teatro e a dramaturgia como um todo começa a considerar os escritos de Artaud.

Abre-se o campo do Pós-dramático. Justamente quando a curva dramática clássica é re-significada, e começa haver rupturas no modo de narrar. Mas sou partidário da continuação existencial da narrativa. Onde há humanos há narrativa!

Hoje no Brasil temos a oportunidade de encontrar um trabalho extremamente de vanguarda produzido por Roberto Alvim. Este debruça-se perante o velho e inaugura o novo após muito estudar, e nos oferta uma nova dramaturgia intitulada pelo próprio autor de “Dramáticas do Transumano”. Onde encara a capacidade transitória da linguagem, e o efeito que esta causa no cérebro humano, ou melhor, em cada subjetividade que se põe em contato com seus espetáculo. E toda a potencialidade dramática só pode ser alcançada no ato teatral, em cena.

Nestes últimos momentos da história do teatro encontramos a potência da palavra-corpo existentes nos mitos. Porém, há quase que um menosprezo ao ato de narrar!

Base da Linguagem:

Como já dito, a base da arquitetura linguística do ser humano está no mito fundador. O mito é a narrativa que origina a compreensão de algo ainda não explanado pela mente humana, resolvendo momentaneamente a curiosidade sobre sentimentos, ações, eventos, entre outros. Ora, o que importa aqui é o termo narrativa. Mito = Narrativa!

Mas os mitos fundadores, estas narrativas fundadoras, programaram-nos do modo que podemos nos reconhecer como Homens do século XXI. Mas ainda julgamos necessário encontrar uma outra possibilidade de humanidade que resolva momentaneamente a curiosidade sobre sentimentos outros, ações outras, eventos outros, e assim vai…

Surgem sentenças petrificadas:
Há narrativas demais que se repetem em forma e conteúdo;
Há modelos demais, e todos já estão repetidos;
Há a sensação de que o Homem não alterou-se como espécie dotada de linguagem;
Há estabelecimentos morais que não dão conta da vida interpessoal, até mesmo subjetiva, causando neuroses, doenças sociais e pessoais;
Esta mesma moral bloqueia a capacidade humana presente na linguagem de alargar a experiência cósmica;
Estamos presos em nossas estruturas meramente pessoais e sociais, subjetivas e intersubjetivas;
Mas ainda paira na mente humana fragmentos linguísticos para além das experiências comuns, onde habita o que apenas conseguimos nomear como sendo o Mysterium.

Neste contexto aterrador surge o que aqui propomos como Farrapo Mítico. Este termo é forjado com base na ação de narrar. Uma verdadeira dramaturgia nova rasgaria o que é velho e após a embriaguez do ato começaria a reposicionar elementos-chaves, e experimentar e experienciar os efeitos que estes reposicionamentos são capaz de produzir no humano.

Assim, o teatro seria o local de encontrar o velho e produzir o novo, num ato de hibridismo. Construiríamos novas bases linguísticas capazes de alargar a experiência humana, não somente social e/ou subjetiva, mas sim, cósmica.

Ator, o Sacro-Ofício:

Com as paredes do teatro erguidas devemos por em cena essas utopias dramáticas-narrativas. Mas ainda falta-nos quem irá realizar. Devemos pensar a função do ator neste contexto novo-velho.

O ator aqui é o individuo que deverá doar-se por completo. O ser humano, assim como Yuri Gagarin, a viajar pelo espaço pré-visto, porém, desconhecido.

Deverá então, sacrificar sua subjetividade para adentrar as portas do Velho e do Novo, da vida e da morte. Estas duas portas deverá ser o seu objetivo Cruel. Mas é justamente em sua subjetividade que habitam as chaves destas portas.

Uma vez iniciado este intento e trabalhado arduamente na desintegração de si, estará apto a recriar este processo perante outros humanos.

A encenação então, aparece como um ritual de encontro, onde a narrativa em farrapos míticos faz com que o presente viva experiências subjetivas intensas, e que ao término do ritual estejam todos amalgamados na condição humana de experiências individuais intensas ainda não vividas por seres humanos, até então, dando origem a um novo espaço humano de conhecimento e experiência.

O ator tem por tanto o ofício sacro de expandir a experiencia humana, sendo que em Laboratório deverá reproduzir em si estes mecanismo em sacrifício, sacro-ofício.

Ethos, à procura dos outros em si:

Isto requer uma postura ética do ator. Não moral! Ética. É um caminho a ser trilhado, mas para trilha-lo é necessário dar o primeiro passo à procura dos outros, do universo, do cosmos, em si. E neste momento de investigação deverá romper com a noção do EU edificado socialmente, afetuosamente, cognitivamente. E este é o sacrifício.

Este ethos é o superobjetivo do ator em sua existência como artista. E é com ele que poderá irmanar-se com todos os outros atores, com todo o público, com a humanidade inteira, em busca do mysterium que mora atrás do jogo-de-espelhos da linguagem. Para empurrar este espelho para além, e ampliar a experiência humana devemos vasculhar o velho, ousar proclamar o novo, e experimentar a delícia de ser uno e ser versificado.

Universo.

Farrapo Mítico: Um rearranjo dos mitos fundadores

por Filipe Rossi

I

Faça-se o tufão!
Que este adentre as bibliotecas de todo Mundo, e com suas mãos danosas rasguem as páginas de todos os livros fundadores da herança Humana, e faça bailar à deriva estes fragmentos. Limpando-os de todo pó semântico, adornando seus pensamentos com colares de pluma. Um tufão sacrílego-santo. Feroz e lânguido.

II

Após a tormenta…
a desventura!
As páginas em farrapos deitadas às estradas de todo o mundo. Tapete diabólico, manchado com letras dos cantos humanos de outrora. Agora desorganizados, fragmentados, sem elo, sem ligação. Toda miséria da palavra não sã. Apenas o ímpeto do homem-artista: Re-ligar!
Conectar palavras umas as outras, textos à outros, fragmentos com outros fragmentos. Um mito trepando um outro mito. Num ato sexual feroz. pênis-ânus-pênis-vagina = outros mitos.

III

Outros seres ganham vida sem necessariamente jogar a história humana pelo ralo. Tudo está ali. Nada se desfez. Apenas se desconectou. Como o Homem se desconectou de si, per si, e do cosmos. Estamos todos, por um fenômeno santo e traiçoeiro, separados de tudo, desconectados, sem nossos cordões umbilicais. Não temos pátria, não temos irmãos, nossos pais nunca existiram. Resta-nos chafurdar estes papéis sem  nexo, e com a cola, de nossa saliva misturada ao nosso sangue, re-unir estes fragmentos e buscarmos novos significados à esta existência rota. Um livro santo, híbrido e monstruoso…

IV

“Uma mulher que não se reconhece mulher, a não ser pela carne de seus seios. Um Homem que tolhido da visão de seu pênis se sente impotente por não ter um seio. Um corpo que não respira sem sepultura. Aguardando as aves de rapina que o destroçarão. Já não vale nenhum rito, nenhuma celebração, nenhuma reunião entre humanos. O pai não reconhece o filho que não conhece a mãe que não possui marido. A solidão é única condição àquele que vive. E ao morto resta a solidão da carne corroída por vermes em plena luz do dia, em praça pública, aos olhos de todos os solitários.”
Meu Frankstein narrativo!

V

Ide e destroçai todas as narrativas. Re-organize-as conforme a tua vontade. Cosa em fogo brando até que a consistência seja de pedaços de corpos humanos. Tempere com farrapos míticos. Eis uma nova-velha dramaturgia.

Mater

por Filipe Rossi

Introdução:

Ocidente e Oriente. Há certa divisão cultural e filosófica nestes dois pólos do planeta Terra, onde dá-se a história do Ser Humano. Tudo que conhecemos e todos pensamentos possíveis estão situados nesta dicotomia da existência humana. Porém há um elemento fundador em ambos os lados. Elemento este que serviu de alicerce para a cultura e a filosofia destes pólos definidos como opostos: O MITO.
O mito (certa narrativa que tem por finalidade explicar o que até então era inexplicável através de alegorias) é algo genuinamente Humano, base da linguagem que por sua vez é o cimento e o tijolo desta mesma Humanidade. O mito então é o terreno aplainado, apto para fundar a casa do Homem. Não podemos pensar em civilização Ocidental e/ou Oriental sem encontrar na base desta estrutura o mito.
Mas ainda há uma estrutura abaixo desta base, como raízes que projetam a árvore e seus frutos. Abaixo do mito só podemos encontrar aquilo que seria as sementes do que hoje compreendemos como Arte. O processo de humanização se dá através da concepção da linguagem, mas esta concepção dá-se através da organização corporal em resposta aos estímulos da natureza captados pelos sentidos. O Homem ouve os sons da natureza e busca dominá-los e reproduzi-los, nasce o impulso corpóreo para esta reprodução sonora reorganizando o corpo deste Homem coreografando sua movimentação. Esta mesma movimentação reorienta o clã a uma estrutura do movimento onde o forte, o ágil, o que domina o tempo-ritmo torna-se arauto desta reprodução sonora, atribuindo funções já ritualísticas. Neste estágio é necessário transformar a natureza em extensão de seu próprio corpo: O trabalho como indicado por Marx e Engels.
É neste momento que o Mito aparece, como base da civilização!
Claro que esta análise é posta aqui como um mecanismo de imaginação, sem necessariamente obedecer cânones da Antropologia. Apenas notamos a gênese da sociedade, seja ela ocidental ou oriental, na semente da música, da dança, do teatro como rito humano. São justamente estas sementes que favorecerão o surgimento do Mito que edificará suas duas vertentes antagônicas mas ao mesmo tempo complementares: a Filosofia e a Religião. E exatamente estas duas vertentes criarão este mundo que conhecemos.

O Mito:

A Farrapo Cênico Cia Teatral busca então um teatro que contemple o Mito como temática principal. Afinal estas narrativas fundadoras do Homem são o que merecem o cuidado das Artes. Porém as Filosofias e Religiões que vieram através destas narrativas acabaram por desconectar o Ser Humano do “princípio gerador”, a Natureza, ou seja, o Cosmo.
O Homem, e a linguagem que concebe este Homem, é hipostasiada e levada ao cume metafísico construindo o engodo da semelhança, e até confundindo o Homem com os Deuses.
Onde deveria imperar a luta Humana para a comunhão dos humanos à conexão com o mistério existencial, há o duelo titânico entre os Homens.
Para nós, cabe às Artes do dever de arregimentar o ataque a estas filosofias e religiões que organizaram esta decadência. Porém, cairíamos no erro de transformar a Arte em detentora de um novo saber, o que seria um novo engodo. Cabe simplesmente a Arte arquitetar novas narrativas, ou novos campos do possível ao Humano. Desta forma olhamos antes para os mitos fundadores. Observamos seu caminho ao longo da história e isto nos mostra se certa narrativa possui relevância e solo fértil em sua origem.
A partir deste modo artesanal de olhar para o Homem, encontramos na própria História do Teatro um mito de altíssima relevância e fertilidade, o que produziu este dúbio fruto através da religião e da filosofia, até chegar em nossos tempos. Este mito é a narrativa Tebana de Édipo.

ÉDIPO vs MATER

O texto de Sófocles é a obra que ultrapassa os anos e que nos traz a narrativa deste herói trágico. Um Mito com requintes narrativos e tensões fabricadas pelo poeta. Mas mesmo que a obra de Sófocles não conseguisse atravessar o tempo, o Mito edípico chegaria até nós por ser um dos mitos fundadores da civilização, mais necessariamente do Ocidente.
É um mito complexo utilizado tanto pela filosofia, como pela religião. E estas duas vertentes organizaram a linguagem humana já reconhecendo as duras penas dos “erros” do herói, constituindo assim preceitos morais aos Homens ocidentais.
O texto MATER de Filipe Rossi, surge como inversão, ou como a tentativa de alterar este mito fundador. Elementos complexos do tema tebano são reorganizados na tentativa de erigir uma nova narrativa. Porém sem a pretensão de tornar-se um novo mito, pois este intento cometeria também o erro de contrapor a história do Ser Humano. Apenas tem o objetivo de que através do encontro teatral, por alguns minutos o ser humano contemporâneo ocidental, possa reverter seus preceitos filosóficos e religiosos, observando a possível alteração de sua subjetividade, alertando-os para o poder da linguagem.
Este introitus de nosso projeto servirá como guia ao leitor para os demais temas que publicaremos. Mas como trata-se de um pensamento conectado com nossa prática, estes mesmos pensamentos podem se alterar ao longo do projeto. O que importa aqui é a práxis teatral em busca de um material estético de relevância. Convidamos também os leitores deste blog tecer comentários para enriquecer nosso material teórico, e assim atingir nossa prática.