Arquivo da tag: Mulher

Μήδεια

por Filipe Rossi

Uma Mulher. Uma Bruxa. Não no sentido medieval, e sim antigo.

Uma Mulher que possui ascendência divina, dons misteriosos, e sagacidade para realizar o que bem deseja. Porém, mesmo sendo uma semi-deusa, os deuses “legítimos” também gostam de brincar. E ela é enfeitiçada pelos dons mais poderosos de Afrodite. E este amor traz a desgraça de todos os Homens que de algum modo aparecem em seu caminho.
O feitiço de Afrodite, muito bem conhecido por todos os viventes, faz com que Medeia encontre Jasão. Este homem tornaria-se vítima do pai da mulher. Mas Medeia o faz escapar de todas as armadilhas. O mesmo ocorre quando o irmão de Medeia põe-se no caminho. Ela o esquarteja e espalha os pedaços do corpo para que seu pai os recolha e dê tempo de fugir com Jasão e os Argonautas.
A cada caminho um feitiço de Medeia. E as barreiras caem…
Até que o fim do enlace aponte Corinto!
É nesta terra que Medeia sentir-se-á como uma simples mulher, como nunca em sua vida toda. Medeia era Mulher, e não mulher. Era uma semi-deusa que organizava sua vida e daqueles que a circundavam como cabe à um deus: Manipulando, arregimentando, dando ordens ao tempo e aos temperos. E ali, naquela terra estrangeira sente-se manipulada, organizada conforme outra lógica. Agora são Homens que movimentam sua vida, sua rotina e exigem que todo seu ímpeto empalideça até abrandar o fogo de seu espírito e de suas mãos feiticeiras.
Esta Mulher sofre, e outras mulheres diante dela têm piedade. Acreditam que Medeia fora driblada pelos homens, como toda mulher o é. Não notam que seus lamentos já fazem parte da ascensão de seu domínio sobre os mortais que julgam ter direitos e forças até mesmo sobre os semi-deuses. Medeia lamenta-se, chora, grita, amaldiçoa, todo isso é apenas ingrediente para a demonstração de seus dons.
Mas talvez algumas gotas de lágrimas escapem a mais, pois sabe que deverá colocar no caldeirão da desmesura a pele macia dos filhos daquele homem à quem fez vitorioso. Somente o sangue inocente dá conta da verdadeira transformação!
Ela sabe que deveria errar por outras terras depois de cumprir seu intento. E que não encontraria em lugar nenhum boa hospedagem. À não ser que um outro Homem cruzasse seu caminho. Um Homem digno da letra maiúscula. E este Homem apareceu. Egeu sentiu-se apiedado e forneceu a esperança que Medeia necessitava. Mas já o conduziu para o Hall dos arregimentados quando o obriga tecer palavras em tom de juramento. Ele jurou! E o feitiço recebia um dos melhores temperos.
Medeia dissimulou loucura, como agora dissimula pensamentos sãos. Oferece presentes dignos da realeza do lugar. E o banquete do horror aos olhos de Jasão estava servido.
Faltava os manjares! E estes vieram em forma de crianças sem espírito.
Jasão depara-se com sua fraqueza. Sabe que não teria chegado longe sem os dons de Medeia. Mas ela resolveu retirar o seu auxílio ao homem, que perde agora sua letra maiúscula.
Os filhos voam junto da Mulher, agarrados à máquina divina, que vem ao auxílio dos fortes. Some dos olhos do homem. Fica na caverna de todos nós um M maiúsculo de Medeia, de Mãe, de Morte, de Mácula… de Mulher!